Domingo patriarcal, Dia dos Pais que honra aquela figura provedora, pilar de sustentação do lar desde quando saía das cavernas para caçar. Essa figura valente e heroica, ao correr dos séculos seria vinculada a temas místicos e explodiria no inconsciente coletivo a partir do cristianismo.
Mas mudanças aconteceram, a linguagem agora é outra e quebra conceitos e estigmas; das cavernas à religião e daí para os não-valores de hoje, a figura paterna enquanto superman é tão volátil como a de Papai Noel. O coloquial da linguagem tecnológica altera padrões e codifica a vida familiar em smartphones, notebooks, tablets… A geração que cresceu com o ‘bença pai’ está em extinção.
Mas o papo aqui é música aos pais. No entanto, todas canções sobre o tema têm um Q de divã – basta ouvir Roberto Carlos, Sérgio Reis, Altemar Dutra, Elis Regina, Renato Russo – citando os clássicos.
ESPELHO
Sim, a Música da Hora entra nesse consultório psicológico com João Nogueira, o sambista de calçada que perdeu o pai quando era um moleque de 11 anos.
Méier é um bairro na zona Norte do Rio, local onde o advogado João Batista Nogueira escolheu para viver ao deixar Porto da Folha, sertão de Sergipe. Ele era funcionário do Ministério da Fazenda mas, fora do expediente, um músico de eternas boemias.
João Batista Nogueira Júnior nasceu em 1941 e cresceu vendo o pai nesse círculo entre Pixinguinha, Noel Rosa, Jacob do Bandolim… Sim, o velho era bamba nas noites do Méier e o filho Joãozinho herdaria o legado. Tinha o pai como ídolo e mentor mas amargaria o fio da navalha aos 11 anos. Não demorou: seguindo o ritmo do velho, quatro anos depois o garoto já compunha e vivia o samba no bloco carnavalesco Labareda do Méier, onde seria projetado à vida artística.
João Nogueira estava com 36 anos quando expôs as feridas abertas, dores contidas desde a morte do pai. Uma letra genial para falar da saudade, ‘Espelho’ tem mesmo acolhimento de divã por cantar reflexões atemporais. Olhar para a própria imagem e sentir o reflexo paterno, eis aí a pegada do sambista que revela o nervo traumático – meu medo maior é o espelho se quebrar.
Mas João Nogueira reagiria nesse divã musical ao cantar o futuro, o legado que deixaria – agora como pai, ele celebra os filhos em ‘Além do Espelho’ (1982), obra que dá sequência ao tema paterno de 1977. Então, ouvindo a primeira mas sabendo do complemento de quinze anos depois, o Dia dos Pais tem a conta fechada aqui.
Sobre a composição de João Nogueira, Espelho foi lançada pela EMI-Odeon em parceria com Paulo César Pinheiro, produtor do álbum: direção de Milton Miranda, arranjos de Geraldo Vespar e destaques para Dino Sete Cordas no violino, Luizão Maia no baixo, Wilson das Neves na batera.
MÚSICA DA HORA
Base segura de informação e conteúdo