Quando ela faleceu em agosto de 1853 aos 61 anos, fechava uma história de liberdade que abraça todo Brasil. D. Pedro I à parte, os caminhos da independência tem marcos dessa baiana que hoje é símbolo da real libertação do jugo português.
Sim, o eco do grito do Ipiranga não chegara ao sertão nordestino. Naquele mesmo 1822, uma jovem mulher vestia uniforme numa guerra que o brasileiro desconhecia e que fazia a Bahia sangrar. Maria Quitéria, heroína da Independência, baiana arretada que disfarçou-se de cabra macho para ser admitida pelo Exército, fato histórico que espelha a famosa animação da Disney em 1998 – Huā Mùlán, heroína que vem de poemas da dinastia Tang (618-907) e que se fez homem para lutar na guerra.
Longe de qualquer bandeira ideológica, nas Forças Armadas em 1822 a Mulan baiana era o soldado Medeiros, nome que tirou do cunhado. Mas o disfarce não durou muito mas, pela bravura e espírito combatente a mulher venceria o sistema masculino e teria permissão de seguir no Exército – Maria Quitéria era habilidosa como atiradora e taticamente exemplar.
Onde hoje é Feira de Santana, em 1792 havia uma fazenda em São José de Itapororocas, berço da heroína que desde menina já ousava padrões independentes, batendo de frente contra os costumes. Em 1822 e após o Ipiranga em São Paulo, na Bahia a guerra contra os portugueses segue e o governo lança convocação geral para o Exército – era ação do estado pela Independência e Maria Quitéria, desobedecendo o pai, conta com ajuda da irmã Tereza Maria e do marido dela, José Cordeiro de Medeiros – cabelos cortados, uniforme e nome emprestados, lá foi o rapaz para a convocação.
O soldado Medeiros formou no batalhão Voluntários do Príncipe Dom Pedro e já causava como combatente quando o pai procurou pelo comando e a denunciou. Mas de nada adiantou porque o soldado Medeiros daria lugar à real Maria Quitéria e o uniforme masculino seria adaptado ao feminino.
Com essa ousadia e espírito brasileiro acima da média, a soldado inspirou outras baianas que também seriam aceitas nas Forças Armadas – a Mulan da Bahia lutou bravamente na Ilha da Maré, na Barra do Paraguaçu além de Itapuã e Pituba.
A história está aí, o grito de D. Pedro I não pôs fim à presença portuguesa no Brasil e Maria Quitéria com as forças baianas combatiam ferozmente – a essa altura, ela já comandava uma tropa exclusivamente feminina. Por fim, um ano após o Ipiranga as forças portuguesas eram vencidas e a soldado recebia promoção, agora cadete e com reconhecimento patriótico – Heroína da Independência. Por consequência, o próprio D. Pedro I recebeu a militar no Rio de Janeiro e a condecorou com o título Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro.
Mais que isso, o imperador escreveu carta ao pai dela, enaltecendo a bravura e o espírito guerreiro da cadete; e também pedindo para que Maria Quitéria fosse perdoada por ter fugido de casa – o pai era um português linha dura, Gonçalo Alves de Almeida. Então, dá para imaginar o que foi para ele ver a filha se fazendo de homem para lutar contra os patrícios.
Depois disso e de volta à vida civil, aos poucos a heroína foi ficando à margem – vivia em absoluto anonimato, teve problemas no fígado e estava quase cega quando faleceu em Salvador; está sepultada na Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento em Nazaré.
Mas naquela época e já esquecida na história, foi enterrada em cova rasa e o cemitério era um anexo à igreja. Portanto, sem vestígios. Mas a boa notícia que o povo baiano resgata e atualiza anualmente o legado de Maria Quitéria que hoje tem reconhecimento como símbolo da emancipação feminina, também como patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.
Neste 2 de julho, a Bahia celebra a vitória sobre as forças remanescentes de Portugal, grito de Independência que sela o do Ipiranga. E os baianos dizem que em todo 2 de julho o sol nasce mais brasileiro.
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