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27 de abril de 2024
QG Notícias

A cristificação de Tiradentes como marketing político

Vestes brancas, cabelos longos, barba igualmente longa e aquele olhar divinizado. Herói do Brasil, único ilustre com direito a feriado nacional – não há outro brasileiro com essa moral e lá se vão 230 anos.

Neste 21 de abril, Joaquim José da Silva Xavier é reverenciado por todo País por ter sido um bravo em nome da Inconfidência contra a opressão do império. Sim, a figura de Tiradentes ganha áurea celeste que faz lembrar o herói bíblico Jesus Cristo.

No mais, a história do mineiro soa mesmo como drama messiânico porque lutou pela liberdade, entregou-se para salvar a muitos e, por fim, essa entrega foi via traição – na figura de Judas, aquele que delatou Jesus, há Joaquim Silvério dos Reis nesse papel diabólico.

Então é isso, 21 de abril é Dia de Tiradentes e , repetindo, único feriado nacional que honra uma personalidade. No entanto e apesar de todo romantismo no entorno desse mito, há controvérsias.

CPI DA FORCA

Ano a ano, mais pesquisadores e historiadores aprofundam-se em escavações que vão mostrando peças reais da história do Brasil. No caso deste 21 de abril, pode-se dizer que há um tipo de CPI da Forca argumentando contra atos oficiais que até pouco tempo eram intocáveis nos círculos acadêmicos.

Desmistificando esse personagem quase que beatificado, essa CPI mostra que Tiradentes nunca fora algo como Che Guevara, nada de ações táticas contra o sistema; o moço nem era da elite mas, para compensar, circulava nessa classe como também entre os pobres – daí a importância dele nas mãos dos mentores. Sim, Tiradentes era um serviçal fazendo o trabalho político para poderosos que se mantinham ocultos e seguros.

Quando se fala da elite inconfidente, fala-se da maçonaria – basta ver o triângulo vermelho e o famoso dístico Libertas Quae Sera Tamen como selo. Outra coisa que os historiadores cavam e trazem à luz: a Inconfidência era absolutamente local – para libertar Minas Gerais e só, nada de Brasil.

Em 15 de março de 1789 estava organizado levante pelas ruas de Vila Velha; no entanto, três dias antes houve delação premiada de Joaquim Silvério dos Reis – entregou todo serviço em troca de zerar dívidas com o império. Imediatamente é aberta temporada de caça aos traidores. Um a um foi sendo pego e o foragido Tiradentes seria capturado em 10 de maio e levado para a cadeia no subterrâneo onde hoje se levanta o Palácio de Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Ele fica nesse porão por quase quatro anos e passaria por onze julgamentos. Sentenciado à forca por alta traição, o inconfidente também seria decapitado e o corpo esquartejado ficaria exposto permanentemente em postes “até que o tempo também os consuma”, conforme ditava a sentença.

Não bastasse isso, a casa de Tiradentes foi demolida e toda área coberta de sal. Ainda conforme o texto da execução: “… para que nunca mais no chão se edifique”. Era sábado de manhã naquele 21 de abril de 1792 quando o condenado percorria o centro do Rio numa procissão que os devotos do herói também alinham ao caminho de Jesus ao Gólgota.

E A CABEÇA DO HERÓI?

É aqui que os historiadores se debruçam, pois suspeitam de uma trama espetacular. Mas até que provas mais confiáveis venham à luz, esse lado da história continua apócrifo. Segundo essa história, os maçons conseguiram comprar o carpinteiro Isidro Gouveia, preso por roubo e condenado à morte. O acordo teria sido: você assume o lugar de Tiradentes e a gente cuida de sua família.

Há um documento assinado por Hipólito da Costa em 1811, levantando suspeitas sobre a aparência física de Tiradentes na forca; e o escritor Martim Francisco registrou na obra ‘Contribuindo’ que o condenado teve o rosto coberto o tempo todo.

E por que essa troca? Quando dos julgamentos, Tiradentes teria sido confortado a assumir toda culpa – os mentores garantiam que mesmo sendo condenado ele não sofreia pena capital. Assim, para honrar a promessa, eles conseguiram fechar negócio com o ladrão Gouveia e, depois disso, o real Joaquim José da Silva Xavier sumiria do mapa.

E por que a cabeça do decapitado sumiu rapidinho? Segundo essa história paralela, foi queima de arquivo porque não era Tiradentes mas o citado ladrão Gouveia. Resumindo, há vestígios bradando que o Brasil cultua uma farsa.

RESSUSCITADO PELA REPÚBLICA

Tiradentes caiu no esquecimento. Não tinha nada de herói, não era pessoa da alta, não tinha carisma algum e tampouco santo tipo Jesus. O império cuidou de arrasar com a imagem dele e de toda família como traidores sumários, comparados a leprosos.

Quase um século depois e já com a República em 1889, um gênio da propaganda eleitoral resgatou essa história por ver ali um grande negócio para ferrar de vez os portugueses. No entanto, como seria aquele homem da forca? Nenhuma pintura, nem sequer um esboço que desse alguma pista de como seria Joaquim José da Silva Xavier. Então, como usar essa história sem mostrar de quem se tratava?

O que a República pretendia? Ao ler os autos da condenação, viram um cara muito simples sendo condenado por traição à Corte. Num país que fervilhava com o racha republicano, esse julgamento de 1792 seria bomba atômica de marketing sobre Portugal. Do dia da forca, passaram-se 97 anos até surgir a primeira imagem de Tiradentes – era 1889 quando o artista André Delpino assinou o rosto que o governo republicano selaria como sendo o do herói da forca.

Cabelos longos, barba igualmente longa e a corda ainda no pescoço… sim, vestes brancas e aquele olhar tipo Jesus. Mas os historiadores voltam à cena para lembrar que como preso, seria impossível o condenado ter barba e cabelo longos porque no cárcere todo mundo era raspado para evitar piolhos.

Mas é claro, o artista estava sendo pago para criar um ídolo e assim o fez. De forma muito sábia, aproveitou-se também do espírito cristão do país e pronto, olha um mártir mineiro à figura do Cristo. Os republicanos fizeram festa com o sucesso, pois tinham uma arma poderosa como propaganda política. E para tornar essa criação num pacto nacional, eis 21 de abril praticamente fazendo sumir o 22 de abril, Descobrimento do Brasil.

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